O 2º Sargento de Infantaria, Diego Oliveira BALDINO, Guerreiro de Selva Nr 5284, retrata, por meio do Programa de Atualização do Combatente de Selva (PACS), as experiências do APH TÁTICO como combatente de selva nas operações na Amazônia, como aluno e monitor do Curso de Operações na Selva (COS), realizado no Centro de Instrução de Guerra na Selva.
1. INTRODUÇÃO
Primeiros socorros são intervenções que devem ser feitas de maneira rápida, logo após o acidente ou mal súbito, que visam evitar o agravamento do problema até que um serviço especializado de atendimento chegue até o local. Essas intervenções são muito importantes, pois podem evitar complicações e até mesmo evitar a morte de um indivíduo. Os momentos após um acidente, principalmente as duas primeiras horas são os mais importantes para se garantir a recuperação ou a sobrevivência das pessoas feridas.
Prestar os primeiros socorros não significa somente fazer respiração artificial, colocar um curativo em um ferimento ou levar uma pessoa ferida para o hospital. Significa também dar-lhe assistência para tranquilizá-lo, buscando dirimir seu estado de pânico. Sabemos que em muito dos casos as vítimas precisam apenas receber os primeiros socorros – acrescidos de um simples antibiótico oral e um analgésico. Elas precisam apenas de cuidados imediatos e de um tratamento complementar de estabilização no local, sem a necessidade de serem hospitalizadas.
Esse atendimento pré-hospitalar (APH) teve início no final do século XVIII, por intermédio do médico chefe militar francês de Napoleão, o Barão Dominique Jean Larrey (o pai do APH). O “Barão Larrey” é conhecido como o pai dos serviços de emergência médica na era moderna e conseguiu reconhecer a necessidade de atendimento préhospitalar imediato nos combates. Segundo a obra de NOVAES & NOVAES (1994), os procedimentos adotados nos primeiros socorros surgiram com o suíço Jean Henry Dunant, no ano de 1859, projeto apoiado pelo imperador francês Napoleão III, e tinha o intuito de instruir pessoas das comunidades locais, principalmente aquelas que viviam em estado de guerra. Henry Dunant, foi o primeiro agente de primeiros socorros do Movimento Internacional da Cruz vermelha, no campo de batalha de Solferino, no norte da Itália, em 1859. Mais adiante, já no século XX, as guerras foram responsáveis por aprimorar técnicas do atendimento pré-hospitalar, como por exemplo a Primeira e Segunda Guerra Mundiais, a Guerra da Coreia, a Guerra do Vietnã, a Guerra Iraque e a Guerra do Afeganistão. Nos conflitos armados e em outras situações de violência, os socorristas correm grande risco, pois ficam expostos à mira de seus adversários.
2. DESENVOLVIMENTO
CONTEXTO NACIONAL
O Brasil possui cerca de 60% de seu território formado por áreas de mata. Dentro dessas áreas, por mais remotas e de difícil acesso que sejam, há presença de militares das Forças Armadas que realizam diversas atividades, principalmente na área de fronteira da região amazônica que, sozinha, representa 50% do território nacional. Dentro da selva amazônica existem diversos “imprevistos”, que podem vir a ferir militares durante suas atividades, como por exemplo torcer um pé, sofrer de desidratação, ser picado por animal peçonhento e, até mesmo, ser atingido por disparo de arma de fogo. Nesse ambiente cujo acesso e o deslocamento no seu interior é dificultado pela geografia local, cresce a necessidade de cada militar conduzir um bom equipamento individual e coletivo que irá auxiliá-lo nos primeiros socorros, e, também, que cada militar tenha um bom adestramento de primeiros socorros em combate. O Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) vem realizando ao longo de sua existência, por meio da Divisão de Doutrina e Pesquisa (DDP), diversos estudos e experimentos, que visam a atualização frequente da doutrina aplicada nos cursos e estágios que conduz. Durante o Estágio Internacional de Operações na Selva (EIOS), em 2017, realizado no CIGS, foram apresentados por militares de diversos países (Estados Unidos, Espanha, Reino Unido, Canadá e Alemanha) kits básicos de primeiros socorros padronizados no âmbito de suas Forças. Esses kits continham luvas, tesouras para corte de uniforme, torniquetes, curativos 3 pontos, atadura elástica e autoadesiva, dentre outros materiais de APH. Foi apresentada, também, uma maca tática de resgate, tipo prancha dobrável, utilizada pelo exército norte-americano como de uso coletivo.
Ressalta-se que todo esse material é padronizado no âmbito de suas Forças, como material obrigatório para se carregar no fardo aberto. Todo o militar tem o treinamento básico obrigatório em primeiros socorros antes de ser empregado nas frentes de combate, assim como suas frações possuem militares especialistas em APH.
Sabe-se que há necessidade constante de atualização no que diz respeito a primeiros socorros em combate (conhecimento) e equipamentos individuais e coletivos (material). Com uma presença cada vez maior na floresta amazônica, cresce de importância que o Exército Brasileiro venha a aprimorar suas instruções referentes à utilização de um kit primeiros socorros atualizado, de acordo com o que reza o APH.
Atualizando o material, exigindo o uso obrigatório e ensinando técnicas atuais de primeiros socorros, estar-se-á habilitando os nossos militares a enfrentar os desafios do amplo espectro presente nos combates modernos. Ter os materiais já citados é necessário para que vidas sejam salvas de maneira mais eficiente. A tesoura para o corte de tecidos, por exemplo, se tornou muito eficaz, pois seu formato apropriado substitui as lâminas que eram utilizadas para rasgar os uniformes, que muitas das vezes poderiam causar outro ferimento. O emblemático torniquete, agora, de vez, foi comprovado que é um instrumento decisivo quando se trata de hemorragia nos membros inferiores e superiores e seu uso mostrou-se efetivo na realização de hemostasia temporária e redução de mortalidade por lesões de extremidades, com risco mínimo de complicações relacionadas diretamente a seu uso em campo de batalha.
Foi evidenciada a redução em seis vezes do índice de mortalidade nos pacientes vítimas de sangramento ameaçador à vida. Trazendo essa experiência para as operações na selva, com evacuação dificultada, o torniquete elevaria as chances de sobrevivência do ferido.
O curativo de três pontos, amplamente divulgado na literatura especializada, é um procedimento que, apesar das críticas, possui importante papel no manejo pré-hospitalar do trauma torácico penetrante, com característica peculiar de poder ser facilmente realizável por profissional não médico, e atua diretamente na dinâmica respiratória da vítima, produzindo um mecanismo valvular capaz de minimizar os efeitos nocivos deste tipo de lesão.
A atadura elástica tem como principais benefícios ser moldável, autoaderente (não precisa de esparadrapo para fixação) e porosa, permitindo a transpiração da pele. Alonga-se e molda-se perfeitamente aos contornos do corpo, sem aderir à pele ou ao cabelo. Além disso, ela resiste a líquidos e umidade, é hipoalergênica e não deixa nenhum resíduo, pode ser cortada à mão, sem exigir o uso de tesouras, e mantém sua força adesiva mesmo quando é molhada, característica importante tendo, em vista o alto nível de umidade na Amazônia.
A maca tática de resgate tipo prancha é dobrável e leve, prática na condução de feridos e ideal para deslocamentos no interior da selva. A condução de materiais para acesso intravenoso e intramuscular para aplicação de soro de medicamentos e material de sutura são de extrema relevância levando-se em conta a dificuldade de deslocamento na floresta. Outro fator de grande importância, além da condução de equipamentos de grande utilidade para o uso na selva, é saber utilizar esses materiais, pois nada adianta ter e não saber usar.
Com isso, aprimorar o adestramento de primeiros socorros em combate no interior da selva cresce de importância, para que seja usado com maior eficiência todo o material conduzido nos kits. Abordar as medidas de atendimento em combate como procedimentos com tiro, cortes profundos, curativos em membros amputados, dentre outros, sempre enfatizando o meio onde serão efetuados esses procedimentos, deixando bem claro as dificuldades encontradas, são conhecimentos de grande ganho para nossas tropas.
3 . CONCLUSÃO
Dessa forma, partindo do princípio de que as duas primeiras horas são as mais importantes para se garantir a recuperação ou a sobrevivência de um ferido, deve-se procurar melhorias nas duas linhas abordadas (material e capacidade). Juntando bons equipamentos de saúde, de condução obrigatória e uma tropa bem instruída em como utilizá-los, deixaria os militares da região amazônica em melhores condições de atuar em alguma situação adversa em que houver ferido. Assim, evita-se perdas desnecessárias que venham diminuir o valor de uma tropa e seu poder de combate, assim como dores a familiares, amigos e irmãos de farda.
Nota NATI Brasil
1. O Artigo do Sargento Baldino é a coleta de experiências individuais e coletivas acerca de um assunto coletado nas operações na selva, no curso de operações na selva e do estágio internacional de operações na selva, os primeiros socorros em combate (APH Tático).
Atualmente, no Brasil, temos acesso ilimitado no espectro digital a vários textos e oferta de cursos de APH Tático, inclusive com outros nomes fantasiosos.
Aproveitando o texto do Sgt Baldino e como nosso foco sempre foi a legalidade, deixamos patente que o APH Tático é normatizado no Brasil pelas Portaria Normativa nº 16 de 12 de abril de 2018 do Ministério da Defesa e Portaria Normativa nº 98, DE 1º de julho de 2022 do Ministério da Justiça e qualquer assunto dessa natureza que fuja a essas normatizações está incorreto.
2. Pelas normatizações supramencionadas destacamos que o APH Tático é um assunto universal e acessível a todos, no entanto, dedicado exclusivamente para instruendos e instrutores pertencentes as Forças Armadas ou Órgãos de Segurança Pública.
3. Agradecimentos
Ao Coronel Corbari, Major Ramon e Sargento Baldino, nossos agradecimentos pela permissão e apoio na publicação do texto. Temos certeza que o mundo tático ganhará, e muito, nos conhecimentos transmitidos e na experiência única que é operar na Amazônia Brasileira.
Selva!